sexta-feira, 18 de março de 2016

Cordel


Quando era criança,
Não tinha web
Nem cable tv.
Era Globo e SS
E a porta da esperança.
O que assistia
achava que valia.
Rede vendida e idolatrada,
Fazia e acontecia.
Hoje, sou coroa.
E, por mais que te doa,
Ouço e vejo
tudo o que desejo.
Ainda a novela
Mas sem o principal.
Fujo, noite e dia,
Do jornal nacional.
Vestiram a mortalha.
Quem não é do seu time,
Vira tudo petralha.
Penso e existo e da
democracia não desisto.
Não importa voto,
Fascista eu enxoto!
Viva o respeito
ao Estado de Direito!
regina vilarinhos - 2016

terça-feira, 15 de março de 2016

Saudade


Como palavras perdidas na estante
esperando para se aquecerem nos livros.
Como braços doloridos de frio,
como pernas cansadas da neve.
Como doidos calados em seus hospícios
internos.
Como fonte e desejo,
como leão e domador,
como música e ouvinte.

Como tecelã da tristeza que guardei,
como estar em frente ao fogão à lenha
pedindo um pouco mais de doce
à mãe.
Como olhos que veem a estrada.
regina vilarinhos - 2015
"Ó Deus lhe pague a boa esmola, que me deu de bom coração!"
Não me lembro de ter visto uma Folia de Reis quando era criança. Onde morávamos não tinha.
Só recordo meu pai cantarolando as trovas.
"Lá vem Sá Maria Ladeira, sentada na sua cadeira/fiando seu algodão/ algodão ora demos com a bunda no chão!"
Não fui criada em terra de trovador, cordelista, ou violeiro.
Meu pai teve muito disso na sua infância, lá nos Campos Gerais, nas terras de Pitangui e Bom Despacho. Por causa dele, aprendi o que é origem.
A voz dele habita meus versos e prosas.

segunda-feira, 7 de março de 2016

As casas conversam 2


Fui conhecer o canto forte do vento quando morei à beira-mar, na Praia da Costa, em Vila Velha. Meados dos anos 80, era jovem e fazia pré-vestibular. De dia, eu ouvia as ondas conversando com a areia. O apartamento era no décimo terceiro andar, janelas grandes, de correr, esquadrias de madeira. Elas batiam muito quando vinha o vento sul. Esse é o vento da chuva, que muda o tempo no litoral. Tinha medo, no começo, era um uivo forte, principalmente à noite. Dormia sozinha em meu quarto, cuidava de colocar papéis nos batentes, para não ouvir a conversa do vento com as janelas e as portas. Mas ouvia. Em alto mar, ele soprava mais ato, e falava com as sereias, com os marinheiros, com os pescadores e com os peixes. Sempre que virava o vento sul, eu sabia que teria uma longa noite.
Eu ouvia. Posso ouvir ainda. Acho que eram Netuno e Yemanjá trocando juras de amor.
O vento habita minha memória.


regina vilarinhos - 2016

As casas conversam


Sinto muita falta de algumas casas que já morei.
Desde minha infância, os lugares conversam comigo, ouço seus sussurros. Uma rotina é ouvir as árvores do quintal lá da Vila Santa Cecília, soprando o fim do domingo cheio de gente em casa. Ouço a voz dos quartos sendo ocupados por adolescentes preparando os uniformes da segunda. Uma falação da missa na igreja bem próxima também chega na lembrança.
Aqui, nesta nova casa, esses novos sons começam uma outra memória. O som da chuva no jardim me deu essa saudade hoje.
São as conversas das casas que me habitam.
regina vilarinhos - 2016