quinta-feira, 28 de agosto de 2008

Sobre muitos, sobre um

Sobre muitos, sobre um

Um qualquer,
num qual que nada,
nunca teu hoje e ontem
embora em meio e no fim.

Se lá suas outras, depois de tudo, ainda por ele.
Para tanto, o cujo que no todo ou parte,
já sempre assim, pouco.
Apenas tampouco.

Como? Aquele? Aquilo?
Nada um!
Aqui, algum.
Até uma vez mais...
mas ausente enquanto
da gente, dos outros e daqueles.
Pra quem tudo sempre.

Assim, através sem além.
Ela agora do tempo jamais.
Até, ao longo.
Já é amanhã.

regina vilarinhos

terça-feira, 26 de agosto de 2008

Poema de Affonso Romano de Sant´ana

Os homens amam a guerra
Affonso Romano de Sant´ana


Os homens amam a guerra. Por isso
se armam festivos em coro e cores
para o dúbio esporte da morte.

Amam e não disfarçam.
Alardeiam esse amor nas praças,
criam manuais e escolas,
alçando bandeiras e recolhendo caixões,
entoando slogans e sepultando canções.

Os homens amam a guerra. Mas não a amam
só com a coragem do atleta
e a empáfia militar, mas com a piedosa
voz do sacerdote, que antes do combate
serve a hóstia da morte.

Foi assim na Criméia e Tróia,
na Eritréia e Angola,
na Mongólia e Argélia,
no Saara e agora.

Os homens amam a guerra
E mal suportam a paz.

Os homens amam a guerra,
portanto,
não há perigo de paz.

Os homens amam a guerra, profana
ou santa, tanto faz.

Os homens têm a guerra como amante,
embora esposem a paz.

E que arroubos, meu Deus! nesse encontro voraz!
que prazeres! que uivos! que ais!
que sublimes perversões urdidas
na mortalha dos lençóis, lambuzando
a cama ou campo de batalha.

Durante séculos pensei
que a guerra fosse o desvio
e a paz a rota. Enganei-me. São paralelas
margens de um mesmo rio, a mão e a luva,
o pé e a bota. Mais que gêmeas
são xifópagas, par e ímpar, sorte e azar
são o ouroboro- cobra circular
eternamente a nos devorar.

A guerra não é um entreato.
É parte do espetáculo. E não é tragédia apenas
é comédia, real ou popular,
é algo melhor que circo:
-é onde o alegre trapezista
vestido de kamikase
salta sem rede e suporte,
quebram-se todos os pratos
e o contorcionista se parte
no kamasutra da morte.

A guerra não é o avesso da paz.
É seu berço e seio complementar.
E o horror não é o inverso do belo
-é seu par. Os homens amam o belo
mas gostam do horror na arte. O horror
não é escuro, é a contraparte da luz.
Lúcifer é Lubel, brilha como Gabriel
e o terror seduz.
Nada mais sedutor
que Cristo morto na cruz.

Portanto, a guerra não é só missa
que oficia o padre, ciência
que alucina o sábio, esporte
que fascina o forte. A guerra é arte.
E com o ardor dos vanguardistas
frequentamos a bienal do horror
e inauguramos a Bauhaus da morte.

Por isso, em cima da carniça não há urubu,
chacais, abutres, hienas.
Há lindas garças de alumínio, serenas,
num eletrônico balé.

Talvez fosse a dança da morte, patética.
Não é . É apenas outra lição de estética.
Daí que os soldados modernos
são como médico e engenheiro
e nenhum ministro da guerra
usa roupa de açougueiro.

Guerra é guerra!
dizia o invasor violento
violentando a freira no convento
Guerra é guerra!
dizia a estátua do almirante
com a boca de cimento.
Guerra é guerra!
dizemos no radar
desgustando o inimigo
ao norte do paladar.

Não é preciso disfarçar
o amor à guerra, com história de amor à pátria
e defesa do lar. Amamos a guerra
e a paz, em bigamia exemplar.
Eu, poeta moderno ou o eterno Baudelaire
eu e você, hypocrite lecteur,
mon semblable, mon frère.
Queremos a batalha, aviões em chamas
navios afundando, o espetacular confronto.

De manhã abrimos vísceras de peixes
com a ponta das baionetas
e ao som da culinária trombeta
enfiamos adagas em nossos porcos
e requintamos de medalha
-os mortos sobre a mesa.

Se possível, a carne limpa, sem sangue.
Que o míssil silente lançado à distância
não respingue em nossa roupa.
Mas se for preciso um banho de sangue
-como dizia Terêncio:-sou humano
e nada do que é humano me é estranho.

A morte e a guerra
não mais me pegam ao acaso.
Inscrevo sua dupla efígie na pedra
como se o dado de minha sorte
já não rolasse ao azar,
como se passasse do branco
ao preto e ao branco retornasse
sem nunca me sombrear.
Que venha a guerra! Cruel. Total.
O atômico clarim e a gênese do fim.
Cauto, como convém aos sábios,
primeiro bradarei contra esse fato.
Mas, voraz como convém à espécie,
ao ver que invadem meus quintais,
das folhas da bananeira inventarei
a ideológica bandeira e explodirei
o corpo do inimigo antes que ataque.
E se ele não atirar primeiro, aproveito
seu descuido de homem fraco, invado sua casa
realizando minha fome milenar de canibal
rugindo sob a máscara de homem.

-Terrível é o teu discurso, poeta!
Escuto alguém falar.
Terrível o foi elaborar.
Agora me sinto livre.
A morte e a guerra
já não podem me alarmar.
Como Édipo perplexo
decifrei-a em minhas vísceras
antes que a dúbia esfinge
pudesse me devorar.

Nem cínico nem triste. Animal
humano, vou em marcha, danças, preces
para o grande carnaval.
Soldado, penitente, poeta
-a paz e a guerra, a vida e a morte
me aguardam
- num atômico funeral.

-Acabará a espécie humana sobre a Terra?
Não. Hão de sobrar um novo Adão e Eva
a refazer o amor, e dois irmão:
-Caim e Abel
-a reinventar a guerra.


Bem atual em face às Olimpíadas e a Guerra da Geórgia

quinta-feira, 21 de agosto de 2008

quarta-feira, 20 de agosto de 2008

O que eu desejo para você, sempre!

Que em todos os dias de sua vida, Deus te mostre o desabrochar de muitas flores, o canto de muitos pássaros e a renovação de muitas vidas dentro de você!
Desperte com a primeira impressão de vida que te cercar, encha de luz o teu quarto e sala do coração, cante junto com o galo que vês da janela de tua existência.
Faça um incêndio para dissipar as nuvens que quiserem se juntar n´alma. Junte a saudade que sentes dos dias passados, dos anos não possuídos, e abrigue-a dentro de vidros coloridos, para usá-la em momentos reservados.
Possua a poesia do sol, do vento, da chuva, do frio, do sorriso, da lágrima, do forte e do fraco. Ela se torna tua propriedade particular para que distribuas de acordo com a música de teu coração.
Para o mal que teima em arranhar teus sonhos e verdades, use tua voz em alto e bom som e grite: Nunca mais!
Lembre-se que és uma gota no oceano infinito, e que nele navegam seus amigos e amigas de batalha.

Regina Vilarinhos


Visitem o Cooperifa - http://www.colecionadordepedras.blogspot.com/

Cartaz Poético

quinta-feira, 14 de agosto de 2008

O Barão de ITararé disse...

"O homem que se vende recebe sempre mais do que vale.
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Quem foi mordido de cobra até de minhoca tem medo.
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Sabendo levá-la, a vida é bem melhor do que a morte.
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As crianças atingem aos sete anos a idade da razão. Depois disso, começam a praticar toda espécie de loucura, até o juízo final.
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É mais fácil sustentar dez filhos do que um vício.
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Diplomata é um homem inteligente que consegue convencer a senhora que, com um casaco de pele, pareceria muito mais gorda.

A esperança é o pão sem manteiga dos desgraçados.
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Queres conhecer o Inácio, coloca-o num palácio.
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O mal alheio pesa como um cabelo.

El vivo vive del sonzo y el sonzo, de su trabajo.
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Há Cadilacs de oitenta cavalos, sem contar com o proprietário.
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Aquele senhor era tão tímido que até tinha vergonha de proceder honestamente.
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Desgraça de jacaré são essas bolsas de couro.
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A primeira ação de despejo de que se tem memória foi a expulsão de Adão e Eva do Paraíso, fundamentada na falta de pagamentos de aluguel e comportamento irregular.
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Esporte é tudo aquilo que fazemos para deixar de fazer justamente aquilo que deveríamos fazer.
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Os homens são sempre sinceros. O que acontece, porém, é que às vezes trocam de sinceridade.
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Quem é mais porco? O porco ou o homem que come o porco?
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O médico militar é um doutor que examina rigorosamente o soldado para ver se ele está em perfeito estado de saúde para ir morrer no “front”.
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Adolescência é a idade em que o garoto se recusa a acreditar que um dia ficará cacete como o pai.
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Máximas e mínimas do Barão de Itararé
Barão de Itararé
Seleção e organização de Afonso Félix de Sousa
Editora Record – 2ª edição, 1986"


Achei isto hoje e achei muito legal....

quarta-feira, 6 de agosto de 2008

Marginal

Os pobres do mundo esperam chegar ao outro lado do rio.
A margem de cá é o desalento.
Uma parca esperança de crescimento,
a vislumbrar a saída.

Toda a pressa do mundo é incapaz
de tirar toda a miséria do mundo.

Senti a fome na poesia.
Não alimentei a tua luta,
nem com o banquete de palavras.

O meu barco não chega à tua margem,
nesse rio de leito largo.

terça-feira, 5 de agosto de 2008

A chave e a senha

Enquanto fico aqui à beira de um poema
passa um mar à minha volta
ouço Baco e letras me provocando
vou colocar no poema tudo o que sinto
deixar as palavras de lado
elas sobem e descem
enjoam meu estômago
de novo na areia o silêncio dói
barcos pássaros redes faróis
garganta sal e sol
guardo dentro dos sonhos meu brinde
jogo para o mar meu corpo
diga ele o que quiser
guardarei o poema
a chave a senha e eu mesma
dentro da garrafa que envio ao horizonte.

regina vilarinhos

De portas abertas para a poesia

De portas abertas para a poesia

‘A Chave e a Senha’, de Regina Vilarinhos, reúne poemas sinceros
e cativantes de uma maneira simples; nem por isso, clichês


Cláudio Alcântara

Certa vez uma de minhas entrevistadas me disse: “Gosto quando você escreve as matérias sobre meus trabalhos, seu texto é jornalístico mas há poesia também no que você escreve”. Não tenho essa pretensão, apenas escrevo o que salta de dentro de mim. Não há como segurar. Simplesmente, e naturalmente, as palavras vão ganhando forma. Outro dia também, uma colega de profissão perguntou se eu “nunca tenho ‘branco’ na hora de começar a escrever uma matéria”, o que de vez em quando acontece com ela. Sinceramente, não. E, talvez, um dos motivos seja o fato de que cresci lendo poemas. A poesia me conquistou cedo e nos tornamos amigos logo de cara. Jornalismo nada tem a ver com poesia, eu sei disso. Mas se é que consigo, de alguma forma, tornar meus textos um tantinho diferentes, devo isso aos poetas. A todos eles.

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Poetas como a gaúcha criada em Volta Redonda, que me presenteou com um de seus “livrinhos”: “A Chave e a Senha - Porção de Poesias de Regina Vilarinhos”. E na dedicatória escreveu assim: “Poesia é abraço na alma!”. Bonito isso.

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Gosto de gostar de poemas dos mais variados. E, às vezes, gosto igualmente de poetas que por um motivo ou outro deixaram de se gostar. Também cultivo o gosto de admirar, e valorizar (e também criticar, quando não gosto), os talentos locais.

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Já entrevistei Fernanda Montenegro e Irene Ravache. Da mesma forma, Claudia Leite e Rita Lee. Profissionalmente, também Martha Rocha e Ed Motta... Assim como os nossos Paulo Rangel e Joca Ottoni. Rodrigo Hallvys e Elisa Carvalho. E tantos e tantos outros. O que quero dizer com isso? Que a vida é como poesia: existem variáveis, mas a essência é a mesma.

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É a essência de Regina que consegui tocar ao ler “A Chave e a Senha”. Ela abre o livreto com verdade banhada em singeleza: “Quando você quebrar seu gelo interior, refresque quem está à sua volta. Poesia, por exemplo”. E é de poesia que me alimentei durante os minutos em que escancarei minhas portas para o que a poetisa tinha a dividir. Em “Pedido”, por exemplo, eu me vi apaixonado. “Fica comigo / Cuidarei das orquídeas, das rosas e do jasmim, / enfeitando o centro do teu peito”.

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Os poemas de Regina têm o dom de nos mostrar aquilo que somos. E de nos entender melhor. São sinceros, como sinceros são os olhares infantis. E cativantes de uma maneira simples. Ela escreveu em “Ausência”: “Estou fraca de mim / busco o meu nos outros. / Perdi o jeito de versos, / ganhei um jeito de blues”.

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Com a poesia aprendi que não, necessariamente, preciso ter a mesma maneira de gostar das outras pessoas. Aquilo que não me toca como arte pode muito bem representar o ideal de Regina, de Luciene Martes, de Picasso, de Neruda... “Quando escolho ter asas, é para poder viajar mais alto e longe, e sentir que posso ter o vento como companhia. O mar visto de cima me emociona”, é o que ela tem a dizer em “Quando Escolho Ter Asas”. Uma escolha difícil, mas necessária.

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Terminado o livro de Regina, eu me senti como um de seus poemas, o “Poeminha de Outono”, que diz assim: “Eu me sinto poeta marrom, / Meus versos caindo de mim como folhas secas. / Em cada pedaço de rima, / Uma infinidade de mim se espalhando no papel. / Beijos feridos que queriam tocar teus lábios / E te encontravam cinza. / Qual a cor que você pode me dar hoje? / Fosse amarelo para minhas cantigas de desejo / Ou vermelho para meus sonetos de amor”.

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Ela tem a chave para quem está trancado por dentro. É só querer abrir."


Coluna publicada na página 4, no caderno "Lazer e & cia", do jornal Diario do Vale, de 05/08/2008.