segunda-feira, 25 de maio de 2015

Saindo de mim, é possível chegar em outros. O problema é o trânsito de eus que anda congestionando o mundo.

Tom das Minas

Tenho o tom de ser Minas
tenho o dom de ser voz
tenho o sonho de ser música
tenho mil tons para o amor
do nascer
ao por do
sol lá si dó.



regina vilarinhos

Sobre o vento

Sobre o vento
Não existe mais o vento, não existe.
Deixou para trás as veredas, os campos e escondeu-se.
Para dentro das margens, para outras paragens.
Cada folha que cair agora é porque se joga,
a gota que escorrega pela vidraça,
a chama que queima solitária,
as bandeirinhas,
o cabelo que se embaraça,
todos estão independentes.
Quem roubou o vento do mundo?
Quem pode tomar o vento nas mãos?

O poeta. O dono do vento.

regina vilarinhos
 
Uma parede é só
uma parede.
Mas se for pintada
de alaranjado brilhante
vira um amanhecer
constante.

parafraseando Adelia Prado

Refle ki saun

Refle ki saun

Tem gente que sim.
Outras, até.
Tem gente que só.
Outras, né?
Tem gente que ui.
Outras, ué?!
Tem gente que é.
Outras, são. 


regina vilarinhos -02013
Preciso do som da porteira batendo, do galo cantando. Preciso do sol se pondo atrás do morro e da vida seguindo em frente pela estrada, para que eu possa descansar embaixo do ipê amarelo. Porque eu tenho uma solidão mineira guardada dentro de mim e os olhos transbordam uma saudade de onde não vivi.

regina vilarinhos 2015

É bom avisar: contém ironia.

Ai de mim, que bato ponto, que sou burocrata.
Ai de mim, que não li Focault, Alan Poe e que escolho mal as minhas leituras.
Ai de mim, que não dei um grito e me permiti loucuras que me fariam felizes.
Ai de mim, que não sou descolada, que não frequentei Mauá na juventude, que não fiz acampamento e escalada.
Ai de mim, que pago imposto, que furo fila, que baixo filme.
Ai de mim, que perdi o trem, o bloco, a oportunidade.
Ai de mim, que fechei a janela e não vi a banda passar.
Ai de mim, que não sou vegana, naturista, politizada, feminista.
Ai de mim, que não faço poser de antenada.
Ai de mim, que sou cafona e mando mensagem de aniversário pela internet.
Ai de mim, que não chutei o pau da barraca e não fiz barraco.
Ai de mim, que bebo cerveja, não tenho carro e não uso black-tie.
Ai de mim, que não assisti um show do Ney Matogrosso e do Milton, ainda nos anos 80.
Ai de mim, que não fui ao teatro ver Fernanda Montenegro.
Ai de mim, que podia ir pra Europa ano passado e não fui.
Ai de mim, que não vou este ano também.
Ai de mim, que fiquei solteira, sozinha e feliz.
Ai de mim, que sou viciada em café, amor e poesia.
Ai de mim, porque escrevo tudo isso num dia de sol lindo lá fora.

regina vilarinhos - 2015




Do tonto passado

DO TONTO PASSADO

Ficava, rodava, perdia-se,
dificilmente se deixava um pouco.
Beijos na madrugada, risos e vozes finas
na rede de lenços, coberta de broches coloridos.
Mansamente, partia o raro,
de dia e de noite,
colando o rosto no vidro da janela
e deixava escorrer
essa água, essa chuva,
nesse tremor no corpo.

Pulava as ondas
Remava contra
Ventava o sonho
Cambiava um gozo.

O amor
não se desfazia
na palma da mão do destino.
O beijo no céu,
o mais azul que tinha,
cabia no mesmo abraço,
sem o canto,
sem a vida nas veias
e sem sua alma,
passeando no jardim.

regina vilarinhos-2013

quinta-feira, 21 de maio de 2015

MARGINAL


Os pobres do mundo esperam chegar ao outro lado do rio.
A margem de cá é o desalento.
Uma parca esperança de crescimento,
a vislumbrar a saída.

Toda a pressa do mundo é incapaz
de tirar toda a miséria do mundo.

Senti a fome na poesia.
Não alimentei a tua luta,
nem com o banquete de palavras.

O meu barco não chega à tua margem,
nesse rio de leito largo.

regina vilarinhos - poema de 2008

quinta-feira, 14 de maio de 2015

Antes

Se eu partir antes, vá na quitanda e avise ao quitandeiro que não precisa mais trazer escarola e ovos caipiras toda semana. Coloque aviso no caderno de fiados.
Se eu partir antes, jura que vai parar de beber caipirinha de lima da pérsia sem mim?
Se eu partir antes, entre no meu perfil e deixe mensagem pra mim.
Se eu partir antes, fica ouvindo meus discos aos sábados?
Se eu partir antes, anote o nome de quem disser que "era tão boa pessoa" no meu enterro.
Se eu partir antes, leva meu cão para passear todos os dias?
Se eu partir antes, corte um pedaço de céu azul e coloque no meu jazigo. Faça um monte de tsurus e deixe pendurado na mangueira perto de casa.
Se eu partir antes, jura que não fará um livro com as poesias que encontrar no computador?
Se eu partir antes, faz um banquete no dia do meu aniversário com tudo o que eu gosto de comer?
Se eu partir antes, pode fazer o favor de regar as plantas, varrer o quintal e apagar as luzes?


regina vilarinhos - 2015