quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Coisinhas Simples II

Ela sempre gostou de meninos. Meninos que podem ficar sujos e a mãe achar normal, meninos que ficam sentados à frente da TV e ninguém pede pra estender a roupa, apagar o feijão, "atende a campainha!". Ela queria ser menino assim. Ela só queria entender porque ela e não ele. Lucas nem sabia o preço do nescau, porque era ela quem comprava quando acabava. Bendito apartamento no terceiro andar, fresquinho, mas sem elevador.

Manú:
- Só isso, mãe?
- Se eu me lembrar, te ligo no celular.

Na calçada, era a hora de se entregar às idéias mais loucas. Ia direto na padaria, pra sentir mais rápido o cheiro de pão doce com côco. As bandejas de pães estão tão à vontade que parece que tudo é de graça. Ah, nada como roubar um sonhozinho. Só de vez em quando. A última vez que fez isso, sorriu sorrateiramente para seu irmão, que resolvera ir junto por causa de uma revista de surf pra comprar no Léo. Ele dava de ombros. Quando chegava na banca, deixava-o à solta com as revistas e ficava vendo a rua com suas gentes esquisitas. Os carros, os loucos que dirigem carros.

A sua Kombi estava bem diante de seus olhos, como ontem. Só não entendia aquele cara com o jornal na cara, parado na porta do outro prédio. Será que a Kombi é dele? Vai vender? Era exatamente o que ela e as amigas estavam querendo, vermelha e branca, 74, com aquele farolzão.

Pensou em perguntar ao Léo de quem era, mas o Lucas, mais uma vez puxando o boné (ela adorava se esconder nele), e querendo que ela entendesse que o skate é sua alternativa para o surf.

- Ainda vamos ter uma casa na praia e, até lá, eu saberei tudo sobre ondas. Já imaginou, Manú? Seu brother na prancha e você pegando geral na areia?
- Qual seu “brema”? Que areia, que onda? Vai pra casa, leva seu nescau. A mãe tem que ir pro trabalho e já tô voltando.
- Ih, pirou... você ficou colada nessa Kombi, hein? Fui!

Ele via a cena, saia de seu posto de todos os dias e entrava na sapataria pra disfarçar. Ela chegava perto da Kombi, olhava pelo vidro do motorista, na janela de trás, voltava, se abaixava... Pegava o celular, fotografava. Ele queria saber o que ela queria com um carro velho daqueles. Deve ser do jornaleiro e ela fica falando com ele sobre isso.

Lá vai Manú, entrando de volta no prédio, com o fone no ouvido. Ele volta para a calçada. Léo vê tudo.

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