terça-feira, 6 de setembro de 2016

COISAS SIMLES



A gente tem o texto e tem o direito de reescrevê-lo.  Revisado e arrumado.

Coisinhas simples
I

Praticamente todos os dias, ele esperava na porta do prédio. Quatro horas, passava na banca e pedia o "Extra". O Léo, jornaleiro, já deixava guardado pra ele. Atravessava a rua, parava do outro lado pra vigiar.

Só queria ver os dois saindo, mochila nas costas. O fone no ouvido deixava Manú distraída, o skate e o boné a faziam ficar cada vez mais parecida com Lucas. Ele puxava o boné de volta e a revelava, com seus cabelões castanhos.

Nem queria chegar perto. Tá certo que Belém é longe, sair do Galeão pra pegar a Linha Vermelha é um saco, subir a Serra pior ainda. Mas esperar 6 anos para tomar uma atitude é muito. Depois de ver os olhos negros de Manú nas fotos, é que tomou coragem de vir. Queria saber como era sua voz, como o Lucas batia a porta do carro, como era acordar e pegá-lo roubando a geladeira.

Sem chance. Enquanto durassem suas férias, era só isso que iria fazer. E sentia-se feliz de vê-los assim.

II

Ela sempre gostou de meninos. Meninos que podem ficar sujos e a mãe achar normal, meninos que ficam sentados à frente da TV e ninguém pede pra estender a roupa, desligar a panela de feijão, "atende a campainha!". Ela queria ser menino assim. Ela só queria entender porque ela e não ele. Lucas nem sabia o preço do nescau, porque era ela quem comprava quando acabava. Bendito apartamento no terceiro andar, fresquinho, mas sem elevador.

Manú:
- Só isso, mãe?
- Se eu me lembrar, te ligo no celular.

Na calçada, era a hora de se entregar às idéias mais loucas. Ia direto à padaria, pra sentir mais rápido o cheiro de pão doce com côco. As bandejas de pães estão tão à vontade que parece que tudo é de graça. Ah, nada como roubar um sonhozinho. Só de vez em quando. A última vez que fez isso sorriu sorrateiramente para seu irmão, que foi junto por causa de uma revista de surf pra comprar no Léo. Ele dava de ombros. Quando chegava à banca, Manú deixava-o à solta com as revistas e ficava vendo a rua, com suas gentes esquisitas. Os carros, os loucos que dirigem carros.

A sua Kombi estava bem diante de seus olhos, como ontem. Só não entendia aquele cara com o jornal na cara, parado na porta do outro prédio. Será que a Kombi é dele? Vai vender? Era exatamente o que ela e as amigas estavam querendo, vermelha e branca, 74, com aquele farolzão.

Pensou em perguntar ao Léo de quem era, mas o Lucas estava mais uma vez puxando o boné (ela adorava se esconder nele), e querendo que ela entendesse que o skate é sua alternativa para o surf.

- Ainda vamos ter uma casa na praia e, até lá, eu saberei tudo sobre ondas. Já imaginou, Manú? Seu brother na prancha e você pegando geral na areia?
- Qual seu “brema”? Que areia, que onda? Vai pra casa, leva seu nescau. A mãe tem que ir pro trabalho e já tô voltando.

- Ih, pirou... você ficou bolada nessa Kombi, hein? Fui!


Ele via a cena, saia de seu posto de todos os dias e entrava na sapataria pra disfarçar. Ela chegava perto da Kombi, olhava pelo vidro do motorista, na janela de trás e voltava, se abaixando... Pegava o celular, fotografava. Ele queria saber o que ela queria com um carro velho daqueles. Deve ser do jornaleiro e ela fica falando com ele sobre isso.

Lá vai Manú, de volta ao prédio, com o fone no ouvido. Ele volta para a calçada. O Léo vê tudo, arrumando as revistas de novo.

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