quinta-feira, 30 de agosto de 2007

Nalgum lugar


E. E. Cummings



nalgum lugar em que eu nunca estive,

alegremente alémde qualquer experiência,

teus olhos têm o seu silêncio:no teu gesto mais frágil

há coisas que me encerram,ou que eu não ouso tocar

porque estão demasiado perto teu mais ligeiro olhar facilmente me descerra

embora eu tenha me fechado como dedos,

nalgum lugarme abres sempre

pétala por pétala como a primavera

abre(tocando sutilmente, misteriosamente) a sua primeira rosa o

u se quiseres me ver fechado, eu e minha vida

nos fecharemos belamente, de repente

assim como o coração desta flor imagina a neve

cuidadosamente descendo em toda a parte;

nada que eu possa perceber neste universo iguala

o poder de tua intensa fragilidade: cuja textura

compele-me com a cor de seus continentes,

restituindo a morte e o sempre

cada vez que respira (não sei dizer o que há em ti que fecha e abre;

só uma parte de mim compreende que a voz dos teus olhos

é mais profunda que todas as rosas)

ninguém, nem mesmo a chuva, tem mãos tão pequenas.

música de Zeca Baleiro - cd Líricas

Socorro!!

20/08/2007

Hoje é dia de escrever mais. Aliás, sempre é dia de escrever mais, já que a fala está embutida, agarrada na faringe, estremecida nas nossas relações do dia-a-dia. O ano já passou, agosto se foi, e mês que vem veio a galope. Tudo pra nós já é ontem e pouco sobra para amanhã. Quem pode dizer o que é hoje? Acredito que hoje é o cara, aquele que ninguém denomina, ninguém viu, ninguém vê. Mas ele tá aí, pertinho, encostando o cano na nossa cara e nos tirando o nosso melhor, o nosso AGORA. Quem consegue limpar os olhos e enxergá-lo depois da fumaça? Alguém aí consegue gritar socorro?

Será que existe um tempo em que alguém pode nos socorrer? Será que tem alguém que pode nos socorrer? Nem mesmo sabemos qual o socorro que queremos, de como ele pode ser, mas ele tem que vir. Socorro financeiro? Socorro afetivo, emocional? Socorro médico, pajelança, benzedeira de mal olhado...qualquer um que faça a dor passar. Até mesmo a dor ausente, aquela que se pressente que vai dar cria já já. Enquanto esperamos este bombeiro-paramédico-afetivo-monetário-psico-sexual-efervescente, escrevemos e mandamos centenas de emails de correntes, novenas, auto-ajuda, mantras, que no assunto disfarçamos a palavra que grita na garganta:SOCORRO!

quarta-feira, 29 de agosto de 2007

Ausência

Ausência

Para que ouvir o som da tua voz
se entre mim e você
há milhares de nós?

Para cada piscar de olhos
é preciso desembaraçar meu pensamento.

Estou fraca de mim
busco o meu nos outros.
Perdi o jeito de versos,
ganhei um jeito de blues.

Vou cair no bando da rua
e beber você em cada esquina de lua.

Copo, bebida, violão e carinho.
Triste balanço de ondas
que se atiram no meu caminho.

Desejo a Lagoa e Laranjeiras
caminho na beira-mar de teu peito.
Só os ruídos do Sol
sabem de teu sorriso.

A porta tá aberta.
Entra, toma um café.
De noite, eu te trarei as estrelas.

sexta-feira, 24 de agosto de 2007

Olhos cheios d´água

Olhos cheios d´água
Regina Vilarinhos


Esse jeito da gente olhar para o outro e querer que se enxergue as palavras.
E eu queria um dia dizer para todos palavras tão simples,
que não precisassem ser apagadas e reescritas,
pois todas as partes que me conhecem,
todas as partes que me prendem,
em cada um dos meus amigos,
são feitas de simplicidade.
De qualquer lugar onde pudessem me ver e ouvir,
saberiam que elas me anunciavam.
Meu primeiro ai, saindo da dor que não explico,
sobre a vontade que tenho de cuidar de cada um de meus amores.
Todo os meus "até logo" precisavam ser "não se vá".
Nenhum deles nunca couberam dentro de minha mão,
mas sempre estiveram lá.
Nem sempre me deram razão, mas sempre me acharam razoável.
De tudo o que soubesse dizer, nada poderia sair por completo antes de minha boca completar a fala.
O prato que servi, a comida que fiz, não tem sabor de ver que guardo nos meus olhos.
Ver foto de Elvis, ouvir mpb, assistir um filme de amor,
pensar nas melhores amigas, dormir com a filha,
tomar chopp, sorvete,
sentir o vento no rosto, fazer o café,
viajar em boa companhia
e lembrar de não esquecer a chuva no telhado,
me fazendo crer que estou em Passa Quatro.
Se fosse só saudade seria fácil explicar,
mas nem de amor é bom falar,
porque fica perdida a metafísica do jeito
mais que de ser poeta, mas de querer ser perfeito.